Notícias de Angola – Julgamento do general Zé Maria: Documentos pertencem ao camarada JES, não ao Estado, responde general Zé Maria ao juiz
O Informativo Angolano soube que, a segunda sessão do julgamento do general “Zé Maria” está a ser marcada pela recusa do ex-chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) em aceitar, perante o juiz da causa, que deveria entregado os documentos militares, onde se incluem os referentes à batalha do Cuíto Cuanavale, ao seu substituto, o general Miala, após ter sido exonerado, sem que antes houvesse uma reunião entre João Lourenço e José Eduardo dos Santos.
“Os documentos pertencem ao camarada José Eduardo dos Santos, não ao Estado”, respondeu, quando questionado pelo juiz do processo sobre as razões que o levaram a desviar documentos classificados como sendo de caractér militar.
De acordo com o antigo chefe da secreta militar angolana, quando o general Miala foi ao seu encontro e pediu os documentos, não fez a entrega dos mesmos porque o general Miala não se fazia acompanhar do título executivo assinado por João Lourenço.
“E também porque foi José Eduardo dos Santos que me deu o dinheiro para a recolha dos dados que vieram a constituir os documentos”, referiu.
Questionado pelo juiz se o dinheiro pertencia a José Eduardo dos Santos ou aos cofres do Estado, o arguido respondeu que o ex-Presidente da República tirou dinheiro do seu bolso, pedindo-lhe para reconstituir a batalha do Cuíto Cuanavale porque não queria morrer sem deixar aos jovens a história do maior confronto militar da Guerra Civil Angolana.
O general António José Maria “Zé Maria”, um dos homens mais poderosos durante os anos de governação do ex- Presidente José Eduardo dos Santos, começou a ser julgado ontem, quarta-feira, 11, por crimes de insubordinação, desvio de documentos militares, onde se incluem os referentes à batalha do Cuíto Cuanavale, e conduta indecorosa.
O caso está a ser julgado no Supremo Tribunal Militar (STM), no interior das instalações do Comando do Estado-maior do Exército.
De acordo com um dos representantes do Ministério Público (MP), que ontem proferiu a leitura dos autos na primeira sessão de julgamento, em Novembro de 2017 o réu foi informado pelo ministro da Defesa que seria exonerado das suas funções e que posteriormente passaria à reforma.
“Na reunião do Conselho de Segurança Nacional realizada no dia 20 de Novembro de 2017, foi decidida a referida exoneração e a indicação do substituto do mesmo. Uma vez exonerado, devia ocorrer um acto formal de passagem de pasta, do anterior chefe para o substituto”, disse, revelando que sem que este acto ocorresse, o general Zé Maria ordenou ao coronel Eurico Manuel, então chefe dos transportes do Serviço de Inteligência e Segurança Militar, que fosse ao seu gabinete e retirasse documentos e os guardasse em local por ele indicado”, relatou o representante do Ministério Público.
“Entre os documentos retirados do gabinete do general pelo seu subordinado constam documentos classificados como sendo de carácter militar, onde se incluem também os referentes à batalha do Cuíto Cuanavale”.
Segundo a acusação, os documentos referentes à batalha do Cuíto Cuanavale “foram obtidos de forma onerosa, conforme atestam as folhas 106 e 140 dos autos, num valor acima de mais de dois milhões de dólares norte-americanos, e cujo receptor foi o cidadão luso-sul africano-moçambicano, Manuel Vicente da Cruz Gaspar”, continuou.
“O novo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar, general Apolinário Pereira, declarante nos autos, ao tomar conhecimento da atitude do réu, informou o declarante Fernando Garcia Miala, actual chefe do Serviço de Inteligência e de Segurança de Estado”, contou.
“Fernando Garcia Miala levou o assunto ao Presidente da República e comandante-em-chefe das Forças Armadas Angolanas (FAA), tendo-lhe sido ordenado que contactasse o general Zé Maria, para que, no prazo de 24 horas fizesse a entrega de todos os documentos retirados por serem patrimônio do Estado angolano”, explicou.
O MP fez saber ainda que na data dos factos o réu foi contactado e convidado a fazer-se presente nas instalações do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado para que fosse transmitida a ordem do Comandante-em-Chefe.
“Ele (o réu) negou-se a aparecer, propondo, em contrapartida, que o encontro com o general Fernando Garcia Miala ocorresse no restaurante Jango Veleiro, situado à entrada da Ilha de Luanda… Embora contrariado, porque o local não é uma área de serviço, o general Miala sentiu a necessidade e a responsabilidade de cumprir a ordem que lhe havia sido dada pelo Comandante-em-Chefe, acedeu e deslocou-se ao local proposto”, descreveu.
“No local, o general Miala entrou na viatura onde se encontrava o réu, uma vez transmitida a ordem do Comandante-em-Chefe. O réu negou-se a cumprir, e, de forma peremptória, disse que só faria a devolução se lhe fosse ordenado pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos”, conta, destacando que a atitude do réu levou a que o assunto fosse levado ao conhecimento dos órgãos de justiça e deu lugar ao presente processo-crime.
“Os documentos foram recuperados já no decorrer do processo, por ordem dos representantes do Ministério Público, diante de mandato e auto de apreensão tal como espelham as folhas 54 e 56 nos autos”, aponta, divulgando que o réu vem acusado “por crime de insubordinação, em concurso real com os crimes de resistência a superior, extravio de documentos, aparelhos ou objectos que contêm informação de carácter militar, e conduta indecorosa.
Na sua contestação, o advogado de defesa, Sérgio Raimundo, pediu a absolvição do arguido “por não ter praticado os crimes de que vem acusado”.
Sérgio Raimundo alegou ainda que não foi respeitado o princípio do contraditório, porque o tribunal recebeu a acusação do Ministério Público “sem antes ouvir a contra-parte”, e que “não colhe” o crime de extravio de documentos, porque os documentos não estão desaparecidos, sustentando que consta dos autos o mandado de revista, busca e apreensões.
Estão arrolados como testemunhas no processo-crime contra o general Zé Maria os jornalistas da TPA Ernesto Bartolomeu, Isidro Sanhanga e Mário Vaz, pelo facto de os mesmos terem apresentado documentários e programas que reportavam factos sobre a batalha do Cuíto Cuanavale.
Estão de igual modo arrolados no processo como declarantes os deputados Higino Carneiro e Monteiro Leal Ngongo e o ex-presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos.
Fazem parte do colectivo de juízes o conselheiro presidente do Supremo Tribunal Militar, general António dos Santos Neto, e os adjuntos tenente general Carlos Vicente e Fernando Tavira, juízes conselheiros. NJ