Notícias de Angola – Governo ainda tem de pagar 7,1 mil milhões de dólares em dívida este ano
O serviço da dívida governamental vai custar 7,1 mil milhões USD este trimestre, elevando para 17,8 mil milhões USD os valores pagos este ano em amortizações e juros de dívida interna e externa, o valor mais alto desde 2018, quando o serviço da dívida custou 23,2 mil milhões USD, de acordo com cálculos do Expansão com base numa apresentação do Executivo, denominada Republic of Angola Investor Presentation, datado de Outubro.
Altamente pressionado pelo serviço de dívida este ano, o Governo tem canalizado as receitas fiscais petrolíferas para o cumprimento das suas obrigações com os credores, o que levou ao quase afastamento do Tesouro Nacional do mercado cambial, depois de, em 2022, ano eleitoral, a sua actuação no mercado ter potenciado artificialmente a apreciação do kwanza, entupindo o mercado cambial com divisas.
Como não guardou essas divisas para 2023, mesmo sabendo que este ano os custos com o serviço da dívida subiriam quando reatassem os pagamentos aos credores que lhe garantiram moratórias durante a pandemia da Covid-19, está agora a pagar a factura. Aliás, só no I semestre deste ano, a dívida externa incluindo atrasados caiu 1,8 mil milhões USD face a Dezembro de 2022 para 50,3 mil milhões USD, de acordo com as estatísticas externas do BNA. E o stock da dívida ao maior credor de Angola, a China, caiu 1,8 mil milhões USD nesse período.
Neste caso, trataram-se de amortizações. Mas a factura a pagar vai além das amortizações já que a resposta dos principais bancos centrais lá fora para combaterem a inflação foi aumentar as taxas de juro e isso pesou no serviço da dívida angolana. De acordo com o Republic of Angola Investor Presentation, onde já consta uma reprogramação macroeconómica ao OGE 2023, o pagamento de juros cresceu 63% face ao que estava projectado quando o documento foi votado na Assembleia Nacional, já que passou de pouco mais de 2,4 biliões Kz para quase 4,0 biliões. Ainda assim, a “culpa” não deverá ser exclusiva do aumento das taxas de juro mas também da desvalorização da moeda nacional.
Assim, o serviço da dívida governamental este ano deverá crescer 8,4% face a 2022, quando custou 16,4 mil milhões USD, ou seja 1,4 mil milhões USD a mais. Aliás, a ministra das Finanças, Veras Daves de Sousa, afirmou este mês durante as reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial, que o Executivo está a gerir a dívida pública no seu limite. “Estamos a gerir mesmo no limite. A dívida é cerca de 60% do OGE. Precisamos de montantes elevados de injecção de dinheiro na economia. O Estado tem sido historicamente o principal driver, mas com os níveis de endividamento que temos o Estado já não tem a mesma capacidade. Então Angola tem de encontrar o seu caminho de atracção de investimento privado”, sublinhou.
Mas além das dificuldades em captar investimento privado (no I semestre apenas entraram 117,5 milhões USD em investimento estrangeiro fora do sector petrolífero), o Executivo debate-se com uma queda substancial da produção petrolífera nos primeiros seis meses do ano, o que acabou por afectar as receitas fiscais. Além disso, o Executivo não está este ano a conseguir financiar-se nos mercados financeiros, a nível interno e também externo, pelo que foi obrigado a travar a fundo a execução de despesas para este ano.
Como no I semestre se verificou uma queda acentuada da produção petrolífera, isto teve como consequência o afastamento do Tesouro Nacional do mercado cambial, que colocou menos 1.791,9 milhões USD no mercado face ao mesmo período de 2022, quando vendeu 3.181,7 milhões USD.
Menos divisas no mercado cambial afundou o kwanza face ao euro e ao dólar. Só entre Maio e Junho a moeda nacional depreciou quase 40% face ao dólar, entrando depois numa aparente estabilização que já dura há três meses. Ao que o Expansão apurou, isto deve-se, sobretudo, à pressão que o BNA tem feito sobre os bancos para não apresentarem “propostas especulativas”, naquilo que se pode até configurar como um abandono da taxa de câmbio flexível estabelecida em 2018. Pelo meio, o BNA proibiu em Agosto as petrolíferas de negociarem directamente com os bancos com quem têm relações, forçando-as a vender divisas na plataforma Bloomberg em leilão aberto. Mas as petrolíferas estrangeiras, numa primeira fase, recusaram-se a fazê-lo, alegando problemas de compliance, pelo que o BNA foi obrigado a fazer de intermediário, comprando directamente às petrolíferas e vendendo depois aos bancos sem mexer na taxa de câmbio. Entretanto, parece que esta situação já está ultrapassada e as petrolíferas já voltaram à plataforma onde são feitas as negociações de câmbio. Ainda assim, vários pequenos bancos têm-se queixado de que não estão a conseguir aceder a divisas.