Notícias de Angola – PGR relaciona José Eduardo dos Santos no julgamento de Rabelais
Com data de 5 de Agosto de 2019, encontra-se junto da 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo a acusação criminal proferida pelo Ministério Público (MP) contra Manuel Rabelais antigo homem-forte de José Eduardo dos Santos (JES) para a Comunicação Social e Propaganda e Hilário Alemão dos Santos – assistente administrativo do GRECIMA, antigo órgão de coordenação da comunicação de José Eduardo dos Santos.
O mais importante desta acusação não é o seu conteúdo, que resumiremos abaixo, mas sim o facto de, no final da mesma, o MP requerer a abertura da instrução contraditória, essencialmente para se ouvir José Eduardo dos Santos no âmbito do processo-crime, querendo confirmar-se se Manuel Rabelais agiu ou não sob as ordens do presidente da República, como a sua defesa afirma. O MP é a magistratura dirigida pelo Procurador-Geral da República (PGR).
Consequentemente, o MP assume claramente que pretende confrontar em juízo o antigo presidente da República e perceber que papel desempenhou nos crimes que são imputados a Manuel Rabelais e a Hilário Santos: peculato, violação de normas de execução do plano e orçamento, recebimento indevido de vantagens e branqueamento de capitais.
Como temos afirmado amiúde, José Eduardo dos Santos não goza de qualquer imunidade nesta fase processual. Pode ser convocado, ouvido como declarante e eventualmente, se for o caso, constituído arguido.
Nem o Estatuto dos Antigos Presidentes da República (Lei n.º 16/17, de 17 de Agosto), nem o Regulamento sobre o mesmo tema (Decreto Presidencial n.º 223717, de 22 de Setembro) contêm normas sobre a audição de ex-presidentes, além de fazerem uma remissão genérica para a disciplina que regula os deputados. Por sua vez, o Estatuto do Deputado (Lei n.º 17/12, de 16 de Maio) também não se pronuncia sobre o tema, transcrevendo o artigo constitucional (Artigo 151.º da Constituição) sobre imunidades parlamentares.
Nesta medida, de modo a percebermos os procedimentos a serem aplicados a José Eduardo dos Santos para desempenhar o papel de testemunha num caso criminal, temos de combinar a Constituição, a legislação sobre antigos presidentes da República, o Estatuto dos Deputados e o Código do Processo Penal.
Em relação às três primeiras normas, a repetição da norma constitucional é o mote, e apenas se estabelece imunidade após o Despacho de Pronúncia ou em caso de detenção/prisão preventiva.
Até lá, e excepto em casos de votos ou opiniões que os visados emitam em reuniões, comissões ou grupos de trabalho no exercício das suas funções, o Ministério Público tem plena liberdade de atuação.
As limitações a essa liberdade de atuação poderão ser de natureza ligada à dignidade do cargo, e encontram-se previstas no Código do Processo Penal (CPP). Assim, o Artigo 220.º do Código assegura que os deputados (e, extensivamente, os antigos presidentes da República) não poderão ser obrigados a depor com ofensa das suas imunidades. Este artigo é substantivamente remissivo, aplicando-se a disciplina do Artigo 151.º da CRA, que já referimos.
Outro artigo relevante é o Artigo 219.º do mesmo CPP, que determina que, se o chefe de Estado, um ministro ou um juiz do Tribunal Supremo tiverem de prestar declarações num processo crime, poderão fazê-lo na sua residência. Na realidade, este artigo não estende tal possibilidade a antigos chefes de Estado, nem o seu Estatuto o faz. Assim, uma interpretação literal pode indicar que um antigo presidente da República terá de deslocar-se às instalações judiciárias a fim de prestar declarações. No entanto, questões de dignidade, segurança e protocolo podem impor uma interpretação extensiva da norma, e abranger também os ex-presidentes da República. Sendo o caso, José Eduardo dos Santos poderá ser ouvido em casa.
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Em resumo, a única dúvida sobre a imperatividade de José Eduardo dos Santos prestar declarações no âmbito de um processo-crime está apenas em saber se ele deve ser obrigado a deslocar-se ao tribunal ou se pode ser ouvido em casa. Em relação ao resto, é claro que ele deve ser ouvido e tem o dever de colaborar com a justiça.