Notícias de Angola – Deputado do MPLA não acredita na justiça angolana
“Acreditaria na Justiça se pusessem no banco dos réus todos os que roubaram”
N´zau Puna é deputado do MPLA desde 2008, mas é dissidente da UNITA, onde fez carreira política e militar por mais tempo. “As eleições 2017 foram manipuladas” a Augusto da Silva Tomás não devia ser o único preso.
Nos últimos dias circularam informações de que esteve gravemente doente e a Assembleia Nacional (AN) declarou incapacidade para evacuá-lo para fora para tratamento.
Não é verdade. Fui à África do Sul em Abril e os rumores começaram a sair no princípio deste mês de Agosto.
Inventaram também que fui ao funeral de Savimbi sem autorização, mas não me preocupei com isso. Quando o secretário da AN me telefonou a perguntar sobre ‘notícias’ que estavam a sair, eu disse que não tinha nada a ver com isso.
A AN ajuda nas questões de saúde?
Depende: se a doença o exigir, sim. Esta foi a segunda operação que fiz com a ajuda da AN. Em Fevereiro, fui assistir à plenária. Mas, como não posso passar pelo Raio-X e naquele dia os serviços da AN não tinham posicionado bem a máquina, ao passar, aquilo accionou a aparelho [pacemaker], que descarregou.
Fui à Clínica da Endiama, queriam operar-me, mas não aceitei. Em Abril, decidi ir ao homem que me tinha operado na África do Sul. Ele viu que realmente a máquina estava desarticulada e decidiu operar-me e substituí-la por uma outra. Fui operado no dia 15 de Maio e correu bem.
Mas, em Agosto, começou-se a difundir que estava gravemente doente. Eu disse que não se passava nada e só acreditaram quando me viram na AN. Era uma brincadeira de mau gosto.
Qual seria a razão para especulação?
Os motivos foram os seguintes: sabe que eu trabalhei com Savimbi durante muitos anos e fizemos da UNITA aquilo que é hoje. Sabe também que já abandonei a UNITA em 1991. A UNITA envioume convite para assistir às exéquias de Savimbi. Depois de tantos anos de convívio com ele, não podia negar o convite.
Pedi ao presidente do partido, João Lourenço, disse-lhe que, após tantas vicissitudes, não podia recusar o convite. Ele aceitou. Fui, fiz a minha parte, pediram-me que proferisse algumas palavras, fi-lo. Assisti ao programa, ao velório, e finalmente ao funeral. E despedi-me dos outros.
A sua ida causou celeuma no MPLA?
Neste mundo há quem fale bem de nós e quem fale mal. Muitos ficaram preocupados por eu ter ido, outros preocupados com a minha segurança. Conheço bem a UNITA, nós é que a criámos.
Muitos foram recrutados e treinados por mim, e hoje são generais. Fui bem recebido quer pelos mais velhos, quer pela população. Num velório, você faz uma intervenção e as pessoas, com o corpo presente, aplaudem? Isso não é para qualquer indivíduo.
É sinal de que a relação com a UNITA está saudável?
Por que razão não haveríamos de ter boas relações? Na AN conversamos, eles vêm ter comigo. Porque, apesar de ter abandonado a UNITA, fiz lá muito trabalho marcante. E os militantes têm de saber que, se a UNITA é o que é hoje, também demos o nosso contributo.
Já pensou em regressar?
Quando eu saio de um sítio, não regresso. Nestas coisas, há aqueles que nos recebem bem e outros que nos chamam traidores. Como não quero que me voltem a chamar traidor, não regresso.
A FNLA saiu do País, a UNITA ficou, mas sem qualquer apoio. O regime do Apartheid foi a escapatória…
Decidimos buscar apoio na África do Sul. A nossa teoria diante dos sulafricanos foi que estávamos a combater o comunismo. “Se não nos apoiarem, o comunismo vai triunfar, tomar a Namíbia e África do Sul”. E aceitaram. Uma aliança que criou muitos dissabores diplomáticos à UNITA…
Porque a campanha internacional feita pelo MPLA foi muito forte. Há uma teoria revolucionária que diz que quando estás num poço não olhas para a cor da pessoa que vai te tirar. É verdade que cooperamos com a África do Sul, mas nunca aceitámos a subordinação.
Recebemos logística, dinheiro e arma mento. Mas o que mais nos enriqueceu foi o treino militar, que nos permitiu ocupar certas posições. Os sul-africanos convidavam Savimbi para proferir palestras na África do Sul sobre a visão da África Austral. Nessas conferências, Savimbi dizia que somos amigos, mas que via outra saída [para eles], que não libertar Nelson Mandela. A primeira vez aceitaram, mas noutra vez o presidente sul-africano disse ao Savimbi: “Você tem o nosso apoio e está a pedir para libertarmos Mandela, para ele ficar no Palácio e nós ficarmos no lugar dele?” Savimbi disse que a pressão internacional era tão grande que não havia outra saída. Isto foi desde 1986.
Está a dizer que a UNITA também lutou pela libertação de Mandela?
Enquanto outros gritavam de longe para que Mandela fosse libertado, Savimbi falava com o próprio presidente Frederik de Klerk. E, quando Savimbi falava de Mandela com os responsáveis do Apartheid, havia brancos que iam contar a Mandela. É por isso que, quando Mandela vem visitar Angola a convite do Governo angolano, quis ver Savimbi, mas foi impedido. Mas, quando convidou Savimbi, em vez de o receber em Pretória, recebeu-o na sua aldeia, a sua terra natal.
Isto tem um grande significado para a UNITA?
Não é só para a UNITA, é para África. Mandela disse que perdoava Savimbi pela cooperação com a África do Sul ligada ao Apartheid, pois foram as circunstâncias que o tinham levado a isso.
Quais os pontos negativos que ditaram a derrota da UNITA?
O primeiro foi a campanha contra a UNITA, que foi muito forte. Ora porque matou bruxas, ora porque fez não sei o quê…
Antes ou depois das eleições de 1992?
Desde antes das eleições.
A queima de bruxas não é verdade?
Mas o MPLA, quando estava a lutar no Leste, não matou bruxas? Não perguntaste? Quando chegámos ao Leste, eram as populações que traziam as bruxas para os militares queimarem – e eu disse que não se podia fazer assim. Decidi que fóssemos nós a julgar os bruxos se fossem militares e que fossem os sobas a julgar os bruxos se fossem civis. Foi assim que terminou.
Venceu quem fez maior campanha?
Numa campanha, se o governo perder, é porque não sabe fazer manobras. Fazer campanha contra um governo é muito difícil, sobretudo em África. Mas a nossa saída da UNITA também enfraqueceu o partido. Nunca tinha pensado em sair da UNITA, saí porque estava para ser eliminado, queriam que assumisse as mortes de Tito Tchingunji e Wilson dos Santos.
Apenas fui orientado por Savimbi a verificar se, realmente, estavam mortos. E constatei que, de facto, estavam, porque foram desenterrados para eu constatar e vi os corpos. Quando informei Savimbi, ele disse que estava mais descansado, porque os mortos não falam. Os americanos queriam o Tito, o homem que eles queriam em substituição de Savimbi.
Era um miúdo esperto e articulado. Certamente foi eliminado pela segurança, por ordem do chefe, mas por fim queriam que eu assumisse.
E é verdade que pretendia substituir Jonas Savimbi?
Ele estava como representante da UNITA nos EUA e começou a ser trabalhado pela CIA. Há uma delegação que foi chamada em Albudja a dizer que Savimbi estava cansado e devia ser substituído por jovens como o Tito. Quem é que quer fazer revolução e ouve que o fulano quer substituí-lo? A outra versão é que arranjou veneno para matar Savimbi.
Qual é a versão mais próxima da verdade?
Para mim, a que mais está próxima da verdade é de ter andado com a mulher de Savimbi. Esta é a versão na qual acreditei. Savimbi enviou a esposa a França para tratamento médico. E o Tito, que era representante da UNITA na Inglaterra, vai a França, encontra-se com a miúda e anda com ela. Oito anos depois, a BRINDE (Brigada Nacional de Defesa do Estado, ‘braço’ de inteligência doméstica) descobre. É chamado já como representante da UNITA nos EUA e é preso.
Assim, de repente?
Dizem que, quando estávamos na cidade, já tinham uma relação. Mas quando chegámos às matas começou a andar com o chefe. Quem é que desobedece ao chefe? O Tito era guarda pessoal do Savimbi. Penso que a questão do relacionamento é que foi a causa, porque foi já quando ela estava com Savimbi. Você sabe que, de onde saiu o dente. a língua sempre toca.
A morte de Tito não pesou na imagem de Savimbi?
Sim, sobretudo quando o mundo soube que abandonei por causa disso. Mas dizer que, entre os três partidos, quem matou mais foi Savimbi, não é verdade. Já passei pelos três (MPLA, UNITA e FNLA).
Não falo de quem é que fez mais, mas, se me tocarem directamente, falarei.
Fonte: Vanguarda/ Felix Abias