Notícias de Angola – Filha de Agostinho Neto diz que o seu pai não é culpado pelas mortes no ’27 de Maio
Irene Neto, filha de Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, diz que é opinião generalizada de que seria oportuno mudar a equipa governativa por estar exausta e vir de um outro mandato, considera uma grande injustiça o salário do médico, defende cota de 20% do OGE para a educação e reconhece que Angola deve modernizar-se para melhorar a organização das eleições.
Angola deve passar a realizar eleições “fiáveis e credíveis”
Estamos no mês do Herói Nacional. Quando diz que a intenção de apagar a imagem de Agostinho Neto falhou, quem tinha esta intenção?
Todos os que, por actos ou por omissões, agiram no sentido de apagar Agostinho Neto, alterar a história, mentir, produzir versões falseadas e propagar meias verdades e inverdades indecorosas. Devo dizer que aceito estas entrevistas, recorrentes no mês do Herói Nacional, não para vir desnudar a minha alma mas com o propósito responsável de esclarecer os leitores sobre algumas das questões que nos são colocadas. Há muita pós-verdade, eufemismo para desinformação, e ignorância sobre o passado pelo que é preciso uma permanente reposição da verdade. No entanto, existirá sempre uma tensão entre o que se pode contar e as simplificações históricas que alguns apresentam. É hora das escolas ensinarem a história de Angola, designadamente a história da luta de libertação.
Qual é o grande legado de Agostinho Neto?
É a independência de Angola com todos os seus frutos, designadamente, a nação angolana, a cidadania, a soberania, a liberdade e a integridade territorial de Angola. Haverá outros legados, a génese e os alicerces da República, já patentes na sua obra poética e de que destaco a reiteração ou anáfora “criar, criar, criar”, remetendo-nos ao imperativo de construir o novo país e assim, relembro alguns desses muitos legados fundacionais: o ensaio do poder popular (no sentido que se confere hoje à participação cidadã e republicana).
A aposta na formação de quadros e o combate ao analfabetismo. A atenção dada à agricultura e as mediáticas campanhas do corte da cana-de-açúcar para estimular a produção nas cooperativas de produção. A indicação da indústria como factor decisivo para o nosso desenvolvimento. A criação da moeda nacional – o Kwanza. A constituição da SONANGOL como Concessionária exclusiva dos direitos mineiros de exploração e produção de petróleo.
A criação da ENDIAMA como empresa nacional de diamantes em substituição da DIAMANG. A preocupação com o ambiente e a conservação da natureza. A criação da União dos Escritores Angolanos e a valorização da cultura nacional. A defesa da integridade territorial contra as invasões sul-africanas e zairenses. A solidariedade com os outros povos na luta pela sua autodeterminação. A participação de Angola no grupo de países da Linha da Frente, reforçando os laços e apoios regionais contra o apartheid.
A orientação para a criação da Assembleia do Povo (que já não presenciou). Para mim, o maior legado foi o amor pelo seu povo e acreditar no seu país, conhecer o seu país, governar com honestidade, identificar-se com o seu povo. Crer que se podiam passar férias em Angola sem ter de continuar a recorrer ao equivalente às “licenças graciosas na metrópole”, julgar que se podiam também comer maçãs e morangos em Angola, acreditar na melhoria do ensino do país e colocar as suas filhas a estudar nesses estabelecimentos escolares. A mudança de paradigma tinha de começar connosco próprios. Ele acreditava profundamente nisso e a sua crença contagiava e inspirava-nos.
Acredita que Agostinho Neto governaria melhor Angola do que José Eduardo dos Santos e João Lourenço? Porquê?
Em política essas comparações são descabidas e não se fazem. São Presidentes distintos, contextos diversos e personalidades diferentes. A cada um coube ou cabe um período específico da história do país. O que posso dizer é que Agostinho Neto foi um Presidente que fundou, de jure e de facto, a primeira República de Angola, estabeleceu as premissas orientadoras da nação, salvaguardou a independência de Angola, não permitiu a divisão do país em Angola do Norte para a FNLA e o Zaire, nem em Angola do Sul para a UNITA e a África do Sul, venceu as guerras a sul e a norte e estava a negociar com os USA e a RSA para findar igualmente a guerra civil. Certamente, se Agostinho Neto não tivesse morrido em 1979, Angola estaria em paz provavelmente em 1979 e o rumo de Angola teria sido outro, mais próspero e mais avançado. Angola é una e indivisa graças a acção e firmeza da liderança de Agostinho Neto.
Concorda que há uma tendência de se enaltecer a figura de Agostinho Neto como Herói Nacional sem se fazer alusão às demais figuras que lutaram pela independência do País?
O dia do Herói Nacional é um dia plural em que se homenageiam todos os Heróis da Pátria. Mas como a 17 de Setembro se comemora o nascimento de Agostinho Neto, maior preponderância lhe é dada enquanto Fundador da Nação, por ser um herói de grandeza épica e dimensão nacional. Agostinho Neto é fundador por ter lutado, liderando a luta de libertação nacional, não apenas porque proclamou a independência a 11 de Novembro de 1975. Obviamente que há outros heróis. Mas é preciso não banalizar nem forçar a História. Por vezes cai-se em populismos: todos são heróis, epitetados de heróis “anónimos”, heróis “comuns”, o que por si já é uma contradição. O herói tem de ser uma figura arquetípica, exemplar, que reúne em si os atributos necessários para superar, de forma excepcional, um determinado problema de dimensão épica. Sublinho a excepcionalidade e a dimensão da prova a que se submete o dito herói. Agora, há todo um trabalho de divulgação que deve ser feito para conhecermos os nossos heróis, os seus feitos, as suas histórias. Na Fundação Agostinho Neto, nós começamos esse trabalho com o nosso Patrono. É uma tarefa importante de conservação da memória e um legado para a posteridade. Outras pessoas e instituições devem pôr mãos à obra e contribuir para a documentação da história com trabalho sério e não apenas lamentar a aridez de informação, por inação, na memória colectiva.
Que projectos existem da família Neto para o desenvolvimento de Kaxicane?
A família Neto não é o Executivo nem lhe cabe fazer projectos em Caxicane. A Fundação Agostinho Neto está, no entanto, a trabalhar com o Executivo para erguer a Praça de Caxicane com o fim de marcar o local de nascimento de Agostinho Neto e ser um lugar histórico e turístico, aprazível e belo, à beira do rio Kwanza. A histórica região de Icolo e Bengo necessita de desenvolvimento e criação de empregos locais. Muito se pode fazer para potenciar a região, tendo em conta os recursos naturais de que dispõe. Há um mundo de possibilidades que têm mesmo de descolar dos desejos e passar à realidade. Acabemos com o círculo vicioso da pobreza, da fome, da doença, da ignorância. O potencial demográfico de África situa o continente como a próxima fábrica do mundo. Temos de nos preparar para captar os investimentos e as deslocalizações de indústrias de outros países menos afortunados em termos de espaço e recursos naturais e desenvolver o nosso.
Tivemos mais velhos que não nos quiseram deixar viver plenamente, que foram egoístas e maléficos, que nos fizeram perder a nossa juventude, vigor e força, com histórias da carochinha de que era muito cedo. O que pretendeu dizer com isto Dra Irene Neto?
Ainda que seja membro do MPLA, integrando o actual Bureau Político, por decisão do último Congresso, tenho de reconhecer que a geração anterior ficou demasiado tempo no poder, cansada, desgastada e sem soluções. Perdemos tempo e vigor, quando queríamos andar mais depressa e de outra forma. O balanço acabou por ser um desastre ruinoso, com desvios imorais, roubos e toda a panóplia da perda de valores morais e éticos no nosso pós-guerra e pós-conflito. Perdeu-se a vergonha. Há que doravante impor limites e mandatos a todos os cargos públicos porque Angola é de todos e não apenas de uma ou duas famílias. O que enfatizo não se limita ao partido no poder mas a todos os partidos políticos que têm enorme dificuldade em renovar as suas lideranças e aceitar a alternância democrática, o pluralismo, a transitoriedade e a renovação do poder. Há que dar oportunidades aos outros e deixar que distintos talentos façam mais e melhor. E quando digo dar, não significa que estes outros não se devam esforçar, trabalhar e demonstrar a sua competência. A meritocracia deve ser o fio condutor desse exercício.
Nota que há fragilidade do Presidente na tomada de decisões, ou seja, recuo num conjunto de decisões como por exemplo o Bairro dos Ministérios, no IVA, na Telstar. Não considera grave a falta de informação oficial sobre o Bairro dos Ministérios e os sucessivos recuos do PR em decisões que toma?
Acho o contrário. Apesar de exigirmos dirigentes infalíveis, que não errem e tomem decisões definitivas, ponderadas e assentes em trabalhos preparatórios profundos e exaustivos, a revogação de decretos presidenciais é sempre uma possibilidade. No entanto, a recente sucessão de casos mediáticos é uma contingência a evitar para não introduzir instabilidade governativa e na sociedade, mas, sem pretender adular, há que reconhecer que o Presidente João Lourenço tem sabido ouvir e tem a coragem de corrigir e alterar quando as decisões são erradas. Isso demonstra ponderação e abertura. Dito isto, também é verdade que a sociedade está perplexa e creio ser opinião generalizada de que seria oportuno mudar a equipa governativa por esta estar exausta e vir de um outro mandato e uma outra liderança. Na mudança seria bom ampliar a competência dos novos governantes para termos uma equipa mais produtiva, mais empenhada e que multiplique os resultados.
Lopo dos Nascimento diz Agostinho Neto não é o único culpado do 27 de Maio. Qual é a sua opinião sobre a chacina do 27 de Maio de 1977?
A Fundação e a família de Agostinho Neto já solicitaram há muito a abertura deste dossier. Agostinho Neto teve a responsabilidade de ser o Chefe de Estado e o Comandante em Chefe mas não é culpado pelas mortes. Não deu nenhuma ordem nem validou ou ratificou nada. O que tinha sido ordenado era a detenção dos cabeças do golpe que eram bem conhecidos de todos e que foram julgados em tribunais ad hoc. Todas as demais prisões foram arbitrárias e revelam um abuso de autoridade e sabotagem autêntica, como era de esperar pelos vários interesses envolvidos e pelas diferentes conspirações tecidas. Agostinho Neto tomou conhecimento de prisões quando os familiares de alguns presos escreveram e falaram com ele a relatar os desmandos, as ilegalidades, as arbitrariedades, as vinganças e os ajustes de contas pessoais. Os oficiais militares, policiais e da segurança ainda estão vivos e podem ser entrevistados. Aliás, eles próprios reconhecem a perda de controlo da situação. Será um desafio publicar uma lista de falecidos, a partir de várias fontes como são as famílias e outras testemunhas, onde se confirmará que o número de mortos está muito longe daqueles propalados. Além de que será um difícil exercício determinar quais serão as vítimas da contenção do golpe, quais aquelas derivadas dos conflitos armados vigentes na época, quais as que resultaram de vinganças pessoais e de meros crimes de homicídios por variadas razões.
Dizia numa entrevista que há muitos culpados vivos, cínicos, etc. Quem são os traidores do 27 de Maio?
Eles sabem quem são. Muitos deles arrependem-se de ter participado nessa febre de poder na juventude. Converso com alguns deles e temos trocado opiniões sobre o que se passou e as dolorosas perdas que provocou em ambos os lados. Espero que a comissão ora criada para tratar dos diversos conflitos em Angola consiga o tão almejado objectivo de perdoar definitivamente os vários passados e seus passivos para podermos prosseguir e criar o futuro de desenvolvimento, justiça, prosperidade e de conhecimento que temos a obrigação de criar, de vez, nesta Angola de promessas, de sonhos adiados e de futuros radiosos inatingidos. O presente clama por sair deste impasse psicológico e destas amarras políticas que se arrastam penosamente para os próprios, para os familiares directos e que enfermam a sociedade.
A vida de uma pessoa não se resume à política. Depois de exercer o cargo de Vice-ministra para a Cooperação no Ministério das Relações Exteriores (foi a primeira mulher a exercer esse cargo no pós-guerra), deputada à Assembleia Nacional, onde chegou a presidente da 7ª Comissão, gostaria de voltar ao Executivo? Que cargo ambiciona?
Por agora, não. Tenho obrigações familiares e não estou livre para assumir cargos públicos. Não me importam os cargos, o que me interessa é contribuir para o progresso de Angola e para o bem-estar dos angolanos.
Ambiciona candidatar-se a presidência da Republica? Uma mulher na chefia do governo faria toda a diferença? Porquê?
Como cidadã, sou livre de candidatar-me dentro da lei e das regras políticas vigentes. No entanto, não tenho essa ambição nem fome de poder político. Esse tipo de cargo público é muito exigente e desgastante para a nossa liberdade, privacidade e espontaneidade. Sou filha do primeiro Presidente e conheço bem o quotidiano de uma presidência. A chefia do governo exige saber fazer, tenacidade e empenho. Isso não tem nada a ver com o género e sim com as qualidades e competências de liderança de cada um.
Mantém a tese de que a Constituição da República (CRA) precisa de ser alterada porque limita a democracia?
Não seria coerente se dissesse que não. Mantenho a minha opinião. Assim que existirem as condições políticas idóneas, deveria ser uma prioridade. Angola não pode continuar exposta ao risco de voltar ao passado de uma presidência imperial e de um absolutismo do poder executivo sobre os demais. A Constituição dever ser democrática e equilibrada entre direitos e deveres, entre autoridade e responsabilidade, com freios e contrapesos.
Há discórdias da oposição no veto a fiscalização aos actos do Executivo, o MPLA tem posição contrária. JLO na sua tomada de posse estimulou a fiscalização da acção governativa, volvidos dois anos do seu mandato mantém-se o bloqueio à Assembleia Nacional?
Como sabe, o Acórdão do Tribunal Constitucional não foi alterado. Há quem julgue suficiente o exercício de fiscalização através da elaboração do Orçamento Geral do Estado e dos balanços da Conta Geral do Estado. São formas de fiscalização das acções do Executivo, mas serão bastantes?
Este não é o país com o qual sonhou. O que tem estado a falhar ao MPLA na governação desde 1975?
Até 2002, vivemos em estado de guerra quase permanente, o que obviamente dificultava a aplicação dos recursos necessários ao crescimento e desenvolvimento do país. A partir de 2002, com o alcance da paz, com o boom do preço do petróleo, o momento deveria ter sido o de colocar todos os azimutes da governação em prol do progresso de Angola e do bem-estar dos angolanos. O plano de reconstrução do país (um dos mais devastados pelas invasões de exércitos estrangeiros e pela escala de minagem mortífera do território) não colheu o apoio da comunidade internacional, essencialmente europeia, mas teve o apoio crucial da China. A história é por todos nós conhecida e sabemos como foram feitos os empréstimos, os investimentos e as obras. Podíamos ter dado o grande salto em frente nessa altura. Infelizmente, continuamos ainda com necessidades básicas das populações por satisfazer em água, alimentação, habitação, emprego, educação e saúde. A governação precisa de investir seriamente em educação e na agricultura.
A nova governação está no bom caminho? O que tem estado a falhar?
A maior lacuna da nova governação está na dívida e na moeda. Angola tem de parar de pedir emprestado. Ainda há dias o Fitch divulgou que a dívida de Angola custa 33,6 milhões de dólares dos EUA, por dia. Isso é asfixiante. O Kwanza não pára de ser desvalorizado. Todos os dias os angolanos perdem poder de compra, perdem poupanças e vêem o seu consumo minguar.
Que comparação faz do antigo Executivo de JES e de JLO para com a família Neto?
Há uma diferença notória. O Presidente João Lourenço tem uma outra atitude e comportamento.
Como considera o combate a burguesia nacional escolhida a dedo, que o PR apelidou de marimbondos. Há ou não selectividade no combate à criminalidade em Angola?
O processo ainda está em curso.
Acha que a justiça e o MPLA estão a perder o combate à corrupção com alegada selectividade, inclusive de deputados da bancada governante?
A justiça não é política. Tem leis e procedimentos próprios a respeitar. Os casos têm de ser investigados e julgados. Isso leva tempo e exige saber fazer, rectidão e muito empenho.
Se este combate for levado a sério não restará pedra sobre pedra no MPLA?
Claro que restarão pedras, edifícios, país e pessoas. O MPLA tem muitos militantes honestos, probos e sérios. Não haverá caos nem será o fim de Angola.
Como avalia a formação de médicos no País?
Muito lenta e com uma qualidade que é preciso corrigir em pleno século XXI. Claro que a qualidade requere investimentos. Precisamos de mais hospitais universitários, mais material e equipamento, mais especializações e mais hospitais com maior capacidade em todas as províncias de Angola.
Que caracterização faz ao salário do médico nacional comparativamente ao sector dos petróleos, finanças, AGT?
É uma miséria. É preciso dar valor aos médicos que levam mais de 7 anos a licenciarem-se e a concluir o estágio. E para serem especialistas demoram mais 5 a 6 anos, totalizando mais de 12 a 13 anos de estudo, ou mais, em caso de doutoramentos. Os outros profissionais ficam-se pelos 4 a 5 anos… e ganham, em regra, o dobro ou triplo dos médicos. É uma grande injustiça. Mais ainda tendo em consideração de que os médicos salvam vidas e a vida humana não tem preço. Os médicos não têm horários e estão muitos expostos à quase tudo, desde infecções, agressões e outros riscos.
Hoje há cortejos de mortes nos cemitérios do País. O que se estará a passar com a saúde em Angola?
As mortes indicam que a saúde não está bem mas não é a única causa. A mortalidade em Angola tem outras causas muito antigas como a fome e a pobreza mas também os acidentes rodoviários, o álcool, os crimes e os assassinatos.
O facto de os governantes preterirem o ensino público para os seus filhos deforma ainda mais este sector vital?
Os filhos dos governantes são uma minoria. O ensino público precisa de ser actualizado, modernizado e equiparado aos padrões internacionais. Recentemente houve exames onde professores não conseguiram sequer ter uma nota superior a 10, numa escala de 0 a 20. Logo, há professores que não podem realmente continuar a ensinar. Houve uma grande expansão de escolas, mas estão vazias, sem carteiras nem equipamentos. A informática continua longe das escolas. Há, portanto, espaço para melhorar e isso tem de ser feito paulatinamente como uma prioridade estratégica da nação. O Orçamento Geral de Estado tem de caminhar para dar, no mínimo, 20% à educação, durante alguns anos.
Há polémica sobre a institucionalização das eleições autárquicas. Na sua óptica devem ser ou não em todo o território nacional? Porquê?
Angola é um país uno e não haverá, de facto, autarquias apenas numa parte do território, no futuro. O processo inicial escolhido pode ser progressivo, por ora, mas acredito que se trata mais de opções organizativas e de competências humanas do que o argumento de não gerarem receitas fiscais. A não ser assim, o raciocínio seria injusto e apenas prolongaria o isolamento e o atraso secular desses municípios.
Concorda com a teoria segundo a qual as eleições autárquicas são também uma oportunidade de emprego para 124 presidentes de câmaras, 124 deputados municipais, etc, na eventualidade de eleições em todo o território nacional?
As autarquias significam uma democracia mais próxima dos cidadãos e uma autonomia das comunidades para resolverem os seus problemas sem esperar por Luanda.
Nzau Puna, deputado do MPLA diz em entrevista ao Vanguarda que as eleições de 2017 foram manipuladas. A CNE é permanentemente acusada de falta de lisura e transparência em todos os processos eleitorais. Como a afastar o fantasma da fraude sem a recomposição da CNE nas eleições autárquicas em 2020 e gerais em 2022?
Reconheço que Angola deve modernizar-se para melhorar a organização das eleições, para reduzir os riscos todos e torná-las mais fiáveis e credíveis com as tecnologias mais avançadas e disponíveis.
Na sua opinião deve alterar o actual modelo de composição da Comissão Nacional Eleitoral?
Toda a organização deve ser melhorada, incluindo naturalmente a CNE.
Como encara a injecção de sangue novo (jovens) no Comité Central do MPLA?
Foi uma renovação necessária, mas o processo ainda me parece que pode ser mais saudável e equilibrado. Tem de se dar maior primazia à competência, ao mérito e oportunidade a todos. As famílias, os amigos e os conhecidos acabam por ter uma certa preponderância que deve ser evitada. Espero que a presença de mais jovens traga uma nova visão, competência, vigor e coragem na discussão da vida partidária. Ser jovem, por si só, não garante essa plêiada de atributos mas quero crer nas qualidades dos mesmos e na renovação de ideias e posturas.
Qual tem sido o seu contributo no comité central do seu partido?
O Comité Central deveria reunir-se mais vezes e decidir sobre todas as matérias relevantes. Mas com 497 membros, mais do que o dobro dos 220 deputados à Assembleia Nacional, parece-me demasiado numeroso para ser um órgão que pensa e delibera com profundidade no período que duram as reuniões. O meu contributo é modesto pois tenho estado um pouco afastada nestes últimos tempos por razões familiares mas, sempre que pertinente, contribuo com os meus pareceres e opiniões.
Como avalia a popularidade de JLO face a carestia de vida da população devido, sobretudo a subida galopante da cesta básica, dos principais produtos básicos? Impõe-se a alteração do actual quadro? Como?
Na minha opinião, o Presidente João Lourenço terá de parar a desvalorização do Kwanza, aumentar o emprego e melhorar a oferta de serviços públicos com urgência. A situação é de risco e pode perder popularidade, isso preocupa-nos. O país não necessita de terapias de choque que podem ser impopulares e cujos efeitos não são sustentados. É preciso, pois, explicar o que se está a fazer, à população, para que esta compreenda o processo. E, ao mesmo tempo, salvaguardar o justo equilíbrio entre o apertar o cinto e conseguir sobreviver com dignidade. Mas o Executivo deve dar o exemplo porque não se pode impor austeridade a uns e continuar a gastar desmesuradamente com outros. Pois o que mais queremos neste país é que todos possam erguer as suas cabeças com dignidade, sem mendigar a ninguém. Os angolanos merecem.
Acha que povo está a perder a crença no PR e no MPLA?
Não. O MPLA ainda é o melhor partido em Angola por ter pessoas honestas e sérias que inspiram confiança. É preciso não perder o foco que uma grande mediatização provoca nas pessoas, inundando-as com infinitas redes sociais, dispersando as atenções para o secundário, o acessório, o anedóctico, ao invés de se concentrar no principal que é o progresso e a afirmação do país no contexto das Nações. Há uma grande confusão propositada para confundir os jovens. Uma concentração elevada de jovens sem emprego e ligados às redes sociais, em espaço urbano, tem sido motivo de alerta em todo o mundo. Temos de trabalhar muito para sair da crise e produzir países africanos estáveis, com índices de desenvolvimento equiparáveis a outros com as mesmas condições que nós, com economias de justa repartição de rendimentos, com justiça social e esperança de vida, em termos de anos e de sonhos. É muito fácil instilar a dúvida nos jovens, são bastante impressionáveis e com lógicas de grupo. No entanto, a nossa história foi bastante marcante e as famílias têm reservas políticas, afectivas e militares, memórias bem guardadas que as orientam.
Agostinho Neto definiu agricultura como base e a industria o factor decisivo. O que tem estado a falhar para que a agricultura seja, de facto, mola impulsionadora da economia nacional?
Uma maior atenção e investimento? É necessário mudar a forma como as pessoas encaram o trabalho agrário, retirar o estigma do camponês, da ruralidade, associados à pobreza, ao isolamento. Direccionar a formação de quadros para este ramo cada vez mais crucial do saber. Há que investir primeiro na agricultura familiar. Depois na agricultura de exportação. E finalmente na agro-industrialização. Se fizermos isso, teremos a estratégia de Agostinho Neto implementada com sucesso. Angola em 1974 era já uma economia na rota da agro-industrialização, a exportação de produtos agrícolas era grande e a agricultura familiar estava em expansão.
O Executivo deve ou não declarar estado de emergência face a dimensão da seca no sul de Angola?
Já está em curso um programa com características de emergência. Agora é preciso é atacar as soluções hidráulicas mais permanentes e de maior dimensão. Angola é dos países mais ricos em água no Mundo. Falta é trabalho e investimento em obras hidráulicas sérias para represar e regular caudais e encaminhar a água onde é necessária. Ao mesmo tempo, é preciso alterar o padrão de assentamento das populações e levá-las a viver mais próximo dos rios e das terras agricultáveis e férteis.
C/ Gazeta