Notícias de Angola – Angola não é um Estado Democrático e de Direito
A Constituição da República no seu artigo 2.º, alínea 1, afirma che: “A República de Angola é um Estado Democrático e de Direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa”.
O mesmo artigo na alínea 2, declara que “Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do Homem, quer como indivíduo quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas”.
Mas a realidade prova o contrário, assistimos o tempo todo violações contra os direitos humanos: falta de comida suficiente para o povo, famílias vivendo ao relento sem saberem por onde ir e por onde dormir, falta de saúde pública eficaz, centenas e milhares de cidadãos fora do quadro de ensino (primário, secundário e universitário), insegurança público-social, desemprego juvenil acentuado (os 500 mil empregos subiram ao céu), bairros e cidades escuras e emburacadas, falta de água canalizada e potável, autoritarismo judicial, prisões arbitrárias, mortes extrajudiciais, corrupção, nepotismo, torturas e tratamentos desumanos.
Num País verdadeiramente Democrático e de Direito esses actos seriam severamente punidos pela lei, são actos inadmissíveis que violam explicitamente as normas da Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigos n.ºs 5; 9; 11; 18; 19; 20; 23; 25; 26), sem mencionarmos o facto das repressões contra os manifestantes pacíficos no gozo dos seus direitos civis e políticos.
O Estado Democrático é aquele Estado em que a soberania pertence ao povo; por sua vez o Estado de Direito é a forma de Estado que garante a salvaguarda e o respeito dos direitos e liberdades do Homem, juntamente garante o Estado social. O Estado de Direito implica a separação de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário); implica o princípio da legalidade; implica a jurisdição administrativa e ordinária. No Estado de Direito a lei é o fundamento e o limite da atividade do estado; a atividade estatal deve responder e corresponder os interesses públicos e deve ser proporcional ao objetivo; num Estado de Direito os órgãos estatais, as autoridades e os privados agem de acordo com o princípio da boa fé.
Angola precisa de um novo processo de democratização, as liberdades de opiniões e de manifestações ainda são vistas como algo negativo, a imprensa é limitada, jornalistas, activistas cívicos e sociais muitas das vezes são perseguidos e constituídos arguidos, por denunciarem actos ilícitos dos dirigentes (ministros, secretários de estado governadores, directores nacionais, PCAs), o poder político continua centralizado na figura de uma só pessoa que é o Presidente da República.
Vê-se a necessidade de una reforma constitucional, os poderes dos órgãos de soberaria (a Presidência, o Parlamento e a Magistratura) precisam ser bem definidos, no concreto o ordenamento jurídico angolano no seu todo apresenta uma série de lacunas normativas que precisam ser analisados e revistos devido às suas complexidades, que tornam inviáveis em muitos dos casos a aplicação correcta e concreta das leis, tanto das leis ordinárias quanto das leis constitucionais.
Um ordenamento jurídico é um conjunto de normas que disciplinam as relações jurídicas entre os membros de uma colectividade e os órgãos do Estado; são elementos normativos, expressos de maneira sistemática, que regulam a vida de uma comunidade dentro de um sistema jurídico. O objectivo principal de um ordenamento jurídico é garantir a pacífica convivência.
A Constituição angolana se diz ser atípica mas na verdade atípica não o é, por não existirem modelos atípicos na história do direito público e internacional, nem presidencial é, por não possuir características de um sistema puramente presidencial, também pelo facto de o Presidente angolano não ser eleito directamente pelo povo, nem modelo parlamentar é, porque não existe relação de confiança entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional, sendo assim, estamos perante há uma Constituição completamente fora dos parâmetros normais de qualquer modelo constitucional já existente.
Portanto com esta Constituição é impossível termos uma boa administração do Estado. Em todo e qualquer sistema Democrático e de Direito, a Constituição que atribui poderes e competências ao Chefe de Estado, é a mesma Constituição que estabelece limites de poderes ao Chefe de Estado no exercício das suas funções políticas, de modo que haja equilíbrio entre os três os poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Um Presidente com super poderes ou com poderes ilimitados põe em risco o “status quo”.
Em Angola o Chefe de Estado ao ter muitos poderes e ao nomear tudo e todos (artigos 119.º; 120.º; 121.º; 122.º; 123.º; 124.º; 125.º; 126.º) coloca em risco a gestão do Estado no âmbito da sua organização e do bom funcionamento das instituições públicas.
Temos um Presidente da República que não conhece praticamente limites de poderes, porque a Constituição o permite de entrar, actuar e decidir com liberdades questões relacionadas aos tribunais (poder judiciário), basta vermos que os Juízes Presidentes de todos os tribunais são nomeados directamente pelo Presidente da República, o mesmo acontece com o Parlamento (poder legislativo), todos os diplomas e os decretos legislativos presidenciais são sempre aprovados com maioria esmagadora pela Assembleia Nacional, tudo porque temos um sistema Político-Jurídica que está ainda muito longe de ser Democrático e de Direito.
Por outro lado é importante sublinhar que esta Comissão da Reforma da Justiça e do Direito (CRJD), criada pelo Despacho Presidencial nº 72/20, de 26 de Maio, apresenta uma certa irregularidade, porque trantando-se concretamente de uma reforma judiciária, a iniciativa ou seja o acto de se criar esta Comissão não devia ser da competência do titular do do poder Executivo. O Presidente pode e deve sim incentivar o melhoramento do sistema Judiciário mas não pode agir em prmeira pessoa como se o judiciário fosse um órgão auxiliar seu, ou como se esse fosse um órgão dentro das suas competências executivas.
O Presidente desta Comissão é o Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos (Francisco Queiroz), no sentido normal nenhum membro do Executivo (poder político) deve presidir uma Comissão de natureza completamente jurídica, o Ministro Queiroz devia sim fazer parte da Comissão apenas como membro não como Presidente. Esta Comissão devia ser presidida por membros da Magistratura, ou seja pelo Juíz Presidente do Supremo Tribunal (Joel Leonardo) ou pelo Juíz Presidente do Tribunal Constitucional (Manuel Aragão).
Esta Comissão segundo as declarações feitas no dia 2 de Junho pelo Ministro da Justiça, tem como prioridades de actuação: a reforma das leis orgânicas do Tribunal Supremo, do Conselho Superior da Magistratura Judicial e da Procuradoria-Geral da República. Esta comissão como é do conhecimento público deve coordenar a estratégia global da Reforma e do Direito no quadro da Reforma do Estado, acompanhar o processo de implementação da nova organização judiciária, assegurando e facilitando a articulação dos diversos programas sectoriais ligados à reforma, bem como dar continuidade e elaborar o processo de criação dos diplomas legais.
Fazem parte desta Comissão os presidentes dos tribunais Constitucional, Manuel Aragão, do Supremo, Joel Leonardo, e de Contas, Exalgina Gambôa, bem como o Procurador-geral da República, Hélder Pitta-Grós, e o bastonário da Ordem dos Advogados de Angola, Luís Monteiro, entre outros convidados.
Esta reforma está sendo feita de forma não muito transparente, por exemplo juristas, técnicos e membros dos partidos da oposição deviam fazer parte desta Comissão, cidadãos independentes e membros da sociedade civil especializados e competentes na matéria deviam partecipar e dar o seu contributo directo para a reforma da Juistiça e do Direito. Portanto uma reforma só é reforma se tal reforma vem a melhorar em alguma coisa (verdadeira reforma) no funcionamento do Estado, caso o contrário em vão será esta reforma.
O País precisa de uma reforma profunda em todos os aspectos, começando pela reforma do Estado no seu todo, reforma pontual da Constituição, reforma do nosso Direito administrativo, reforma do nosso código penal e civil, etc, etc, porque temos um sistema judiciário e administrativo que é cópia do sistema português, um sistema que não se reflecte em nada com a realidade angolana, precisamos de um sistema político-jurídica ligada à nossa cultura e tradição, sobretudo um sistema que produza resultados positivos a favor de todos os angolanos de Cabinda ao Cunene.
Esta Comissão para a Reforma da Justiça e do Direito não irá dar em nada enquanto não participarem todos os autores incluíndo o povo e a oposição. O Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos (Francisco Queiroz) é o Presidente desta Comissão, mas na prática quem está movendo todas as peças dentro desta Comissão é o Doutor Carlos Feijó (ex Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República), foi Carlos Feijó o responsável pela criação desta actual Constituição denominada atípica, e como já foi dito a nossa Constituição não obedece nenhum princípio característico das constuições vigentes.
Não existem constituições atípicas, a nossa constituição precisa ser redifinida.
O.B.S: Angola precisa de um sistema demcrático que dá mais voz e ouvidos ao povo, os dirigentes angolanos precisam ganhar o hábito de fazer referendum popular, o povo precisa ter participação directa nas decisões mais importantes e complexas do Estado.
Por Leonardo Quarenta
Doutorando em Direito Constitucional e Internacional
Mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia
Mestrado em Direito Constitucional Comparado
Master em Direito Administrativo
Master em Direitos Humanos e Competências Internacionais
Master em Jurista Internacional de Empresas
Master em Management das Empresas Sociais.