Notícias de Angola – Lei da Apropriação Pública não ajuda a recuperar os activos “desviados”
Esta é a opinião do advogado Sérgio Raimundo, que refere que a mesma tem inconstitucionalidades e compromete o futuro desta luta, e que a lei foi aprovada apenas para contornar e encurtar os prazos da tramitação normal dos processos judiciais e facilitar a transferência do direito de propriedade dos bens visados.
De acordo com as estimativas do executivo terão sido desviados das contas do País, de forma ilícita, cerca de 140 mil milhões USD, sendo que o documento do balanço da governação para este mandato refere que terão sido recuperados (entregues de forma voluntária) cerca de 5,33 mil milhões USD e apreendidos (por ordem judicial) um pouco mais de 4,23 mil milhões USD (ver caixa). No total perfazem 9,56 mil milhões USD, menos de 7% da referida verba.
O quadro legal de suporte a esta operação foi, numa primeira fase, a lei 15/18 sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens, e mais recentemente a lei 13/22 sobre Apropriação Pública, que contempla a nacionalização, entrega voluntária e apreensão por decisão judicial, que entrou em vigor no mês de Maio. É com esta lei que o executivo, como explicou o Presidente da República, pretende continuar com o esforço de recuperação de activos construídos ou adquiridos com dinheiro que saiu ilegalmente das contas do Estado.
No entanto, esta lei pode não ter o efeito desejado, sendo que o advogado Sérgio Raimundo defende que “não reforça o processo do combate à corrupção em si, mas sim enfraquece-o ainda mais e compromete o futuro dessa luta que é fundamental para a promoção do desenvolvimento multifacético do País e do bem estar social de todos os angolanos”, acredita o advogado.
“E pode também servir de instrumento legal para legitimar a arbitrariedade que se assiste hoje na nossa justiça, onde pessoas há que lhes foram retirados bens, sem nunca sequer terem sido ouvidas em qualquer processo, mas já condenados na praça pública através de comunicados da Procuradoria Geral da República, o que é arrepiante, assustador e inconcebível num Estado que se quer democrático e de direito, já que qualquer um de nós neste País, nestas circunstâncias, está sujeito a ser preso e desapossado dos seus bens sem a observância dos critérios legais que garantam um processo justo, como consagra o artigo 72º da Constituição”, defende.
O advogado Sérgio Raimundo sublinha que “esta lei, tal como ela foi concebida e as circunstâncias em que foi aprovada, visa, essencialmente, contornar e encurtar a tramitação normal dos processos judiciais, quer de natureza criminal como cível, o que constitui um perigo para as garantias de defesa dos arguidos ou requeridos”.
O que está em causa
Uma das questões mais discutidas nos meios do direito constitucional está relacionada com o ponto 1 do art.º 21, que em linguagem corrente define que o tribunal pode apreender os bens sem que exista uma decisão transitada em julgado, evocando a “comprovada urgência”. Sérgio Raimundo refere que estamos “perante mais uma situação que coloca em crise a constitucionalidade dessa lei”.
Acrescenta a este propósito que “a situação poderia muito bem ser evitada, se consultassem pessoas especializadas nas áreas do direito penal, lacto senso, e do direito constitucional, mas pessoas sérias e comprometidas com a ciência do direito e não aquelas que estão apenas preocupadas com o seu “tacho” e nunca com a estabilidade do País e a promoção do bem-estar social de todas as angolanas e de todos os angolanos, pois, esta solução, a ser definitiva, põe em causa um dos princípios estruturantes do nosso sistema de justiça e, como tal, com dignidade constitucional, que é o princípio da presunção da inocência”.
O advogado vai mais longe e tira a sua conclusão: “Fica claro que, com esta e outras soluções aí plasmadas, a intenção suprema da aprovação desta lei é facilitar a transferência do direito de propriedade dos bens visados no âmbito do “combate à corrupção” das esferas jurídico-patrimoniais dos actuais proprietários para a esfera jurídica do Estado transitoriamente, para depois passar para as esferas jurídico-patrimoniais de pessoas próximas ao actual poder político, como temos assistido nos últimos tempos”.
De acordo com o que está escrito na nova lei, a urgência invocada justifica-se pelo facto do “bem a transferir ser susceptível de se deteriorar ou desvalorizar a curto prazo, ou quando a sua não afectação à esfera jurídica pública prejudique gravemente o interesse nacional”.
“NÃO HÁ UM VERDADEIRO COMBATE À CORRUPÇÃO”
O advogado Sérgio Raimundo não acredita na cruzada contra a corrupção que está a ser levada a cabo pelo Governo de João Lourenço e dá a sua opinião: “Sempre disse, e aqui reafirmo, que por tudo aquilo que tenho vivenciado na nossa justiça, e por isso falo com conhecimento de causa, não há em Angola um verdadeiro combate à corrupção, mas sim, uma luta entre dois grupos dentro do próprio MPLA, isto é, o grupo daqueles que hoje estão no poder e que acham que no passado recente, que ainda é presente, comeram menos, contra aqueles que ontem estavam no poder e que os primeiros acham que comeram mais do que eles”.
E concretiza: “Dito de outro modo, o que assistimos é uma transferência da propriedade dos bens das esferas jurídico-patrimoniais de uns para outros, usando o Estado como intermediário e, desta feita, legitimar as novas aquisições pois mudou apenas o modus operandis, mas o modus vivendis é o mesmo, em minha opinião, respeitando sempre as opiniões alheias e até contrárias”.
Fonte: Expansão