Notícias de Angola – Em ano de eleições: Justiça ‘absolve’ corruptos que desviaram biliões de dólares do erário
Em anos de eleições e em fim de mandato do Executivo, muitas dúvidas há por esclarecer, sobretudo no que diz respeito aos casos de indíviduos ‘corruptos’ das elites do poder que desviaram e lesaram gravemente o Estado, cujos processos têm sido arquivados e de outros que, depois de “condenados”, lhes é permitido aguardar pelos recursos em casa por tempo indeterminado e nada mais se diz.
O actual Executivo liderado pelo Presidente João Lourenço chegou ao fim do mandato. Dentro de dias, o mesmo será suspenso para se
entrar no período de campanha eleitoral que vai culminar nas eleições propriamente ditas. Porém, em meio a tudo o que foi prometido no princípio e acabou por não ser feito, no que toca principalmente ao tão badalado “combate à corrupção”, segundo analistas, “os julgamentos e condenações de trapaceiros que lesaram o Estado não passam de ‘montagens teatrais’ previamente encenadas”.
Os cidadãos sentem-se enganados pela situação e não compreendem a razão de se julgar um indíviduo que lesou seriamente o Estado
angolano, condená-lo, para logo de seguida ser solto ou beneficiar de atenuantes e com direito a mordomias.
Para além de bastante complexo, o assunto continua a ser motivo de muita controvérsia em diversos meios da sociedade em geral.
A questão que não se quer calar é: “Porque é que esse procedimento só funciona com os ladrões e vigaristas das elites do poder,
mesmo depois de terem lesado gravemente o Estado e deixaram o povo angolano a sofrer e morrer na miséria?”
“Se fosse um cidadão comum, sem recursos, que não usa ‘colarinho branco’ e fosse condenado por um crime qualquer, e a sua defesa
interpusesse recurso, seria tratado da mesma forma? Esperariam o recurso em casa?”, eis a questão.
Este quadro volta ao de cima e com destacado ênfase, devido ao facto de, o actual Executivo estar em fim de mandato, e a sociedade
há muito que aguarda por merecidas explicações, que evitariam especulações, entre outras situações desabonatórias à imagem das
autoridades judiciais e do processo em si.
Contudo, foi anunciado nas últimas horas que Higino Carneiro, ministro das Obras Públicas entre 2002 e 2010 e ex-governador das
províncias de Luanda, Cuando Cubango e Cuanza Sul, membro do Bureau Político e deputado do MPLA, que deveria ir a julgamento
acusado de crimes de peculato, nepotismo, tráfico de influências, associação criminosa e branqueamento de capitais, conforme
prometido pelo procurador-geral da República, Hélder Pitta Grós, em Setembro do ano passado (2021), foi ilibado pelo Tribunal Supremo
(TS) da prática dos crimes de que era acusado, tendo o processo sido arquivado.
Este pronunciamento, bastante surpreendente, espicaçou os comentários, questionando-se à quanta anda o processo do antigo ministro
da Comunicação Social e ex-director do extinto Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração
(Grecima), Manuel Rabelais, e do seu assistente, Hilário Santos Alemão que, depois de terem sido condenados a penas de prisão,
continuam em liberdade, alegadamente aguardando julgamento do recurso interposto pela defesa junto do plenário do Tribunal
Supremo.
Manuel Rabelais, também deputado do MPLA com mandato suspenso, foi condenado a 14 anos e seis meses e o seu assistente a 10
anos e seis meses, de prisão, pelos crimes de peculato e de branqueamento de capitais na gestão da instituição, que terá resultado num
desfalque equivalente a mais de 117 milhões de dólares, entre 2016 e 2017.
Segundo especialistas, os prazos para a decisão em segunda instância não são rigorosamente cumpridos em Angola e, entretanto, uma
amnistia ou um indulto presidencial pode anular as penas aplicadas, tal como pode acontecer agora com o fim do mandato do Executivo
e a realização das eleições gerais.
“Muitos recursos entregues a tribunais superiores nunca são analisados, deixando os condenados praticamente livres”,afirmam.
Na mesma esteira, a aguardar pelo julgamento do recurso estão também o ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno
dos Santos “Zenu”, e Valter Filipe, acusados do desvio de 500 milhões de dólares no conhecido “caso BNA”.
O filho do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, e o antigo governador do Banco Nacional de Angola foram condenados,
em Agosto de 2020, a cinco e oito anos de prisão, respectivamente, pelo crime de burla por defraudação, na forma continuada e tráfico
de influências. Até agora, o recurso não foi analisado e continuam em liberdade.
Para abalizados analistas, é um procedimento jurídico normal despido de qualquer interesse que, subjectivamente, possa ser entendido
como visando favorecer os implicados, pelo que não há qualquer dualidade de critérios entre este processo e o que envolveu o também
deputado e antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás, que antes do julgamento já se encontrava em situação de prisão
preventiva. “São normas estabelecidas e não é que uns sejam melhores que outros”.
Outro jurista também diz concordar com o princípio judicial aplicado pelo TS, mas chama a atenção para o que qualifica de “processos
de combate à corrupção que utilizam o jurídico para atingir fins políticos”.
Enquanto isso sublinha-se que tem havido casos de indíviduos que lesaram o Estado e atiraram o país para o abismo da miséria que,
condenados, ou a espera de julgamento, acabam por ser soltos e/ou se permite que viagem para o exterior, a pretexto de problemas de
saúde e nunca mais voltam.
Como tem sido largamente referido, aponta-se o caso de Augusto Tomás a quem foi permitido sair da cadeia em que se encontrava a
cumprir pena, porque, terá sido infectado pela Covid-19, para ficar em quarentena na sua residência.
Infelizmente, a sua situação de saúde tem passado por diversas peripécias e, segundo notícias, encontra-se em situação delicada.
Entretanto, por alegada pressão partidária, ou seja do MPLA, a pena foi reduzida a 8 anos pelo Tribunal Supremo, que alegou
irregularidades no processo.
Dois pesos e duas medidas
Uma notícia que caiu como uma “bomba” e deixou a sociedade em geral estupefacta, foi a do general José Maria, um dos mais odiados
“cipaios” do regime de José Eduardo dos Santos, que foi solto sem mesmo ter entrado na cadeia. Quando foi ditada a sentença de três anos, toda a sociedade revoltou-se por a considerar irrisória.
Desta forma, as situações que têm sido apresentadas só fazem crer que os ditos julgamentos são realmente “encenações” que servem
apenas para gastar dinheiro que deveria beneficiar a sociedade, como se já não bastasse o dinheiro roubado por todos esses larápios
das elites no poder.
O antigo chefe dos Serviços de Segurança Militar esteve em prisão domiciliar durante dois anos, enquanto aguardava pelo recurso
interposto ao plenário do STM, e, logo que foi decretada a decisão definitiva de redução da pena, foi posto em liberdade.
Segundo os analistas, estas situações não acontecem por acaso, “estão dentro de um plano que tem o objectivo de dar uma capa de
credibilidade ao propalado combate à corrupção”, depois de, no anterior julgamento envolvendo figuras do MPLA, o da chamada “Burla
Tailandesa”, “terem sido ilibados, também por influências políticas, os principais mentores da falcatrua e o ex-porta-voz do partido,
Norberto Garcia” que, posteriormente, acabou por ser “premiado” com a nomeação de director do GAPI.
Ainda de acordo com os críticos, em relação a tais procedimentos, “está a haver ‘dois pesos e duas medidas’, porque há indivíduos
presos por pequenos delitos que, em caso de doença, não são libertados, nem vão para casa e, às vezes, nem recebem tratamento
médico condigno e há casos de presos que morrem nas cadeias por isso. Entretanto há o Hospital – prisão, para atender casos de
presos que estejam a padecer de alguma enfermidade”, esclarecem.
Na mesma esteira, as suspeições que têm sido lançadas sobre o combate à corrupção em Angola, ao longo do tempo desde que foi
lançada a campanha, fizeram com que fossem logo consideradas selectivas, revanchistas, expondo uns e protegendo outros, percepção
que cada vez mais foi ganhando corpo nos últimos dias.
Recorde-se que, depois de ter sido noticiado que a Justiça portuguesa entregou ao Estado angolano, a pedido deste, uma lista de sete
mil páginas que discrimina todas as contas bancárias, bens e participações empresariais de dezenas de cidadãos angolanos, logo de
seguida a Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana negou ter recebido das autoridades judiciais portuguesas a tal lista
discriminada de fortunas de cidadãos angolanos domiciliadas em Portugal.
A situação gerou imediatamente diversas especulações, bem como continua ainda a ser motivo dos mais variados comentários,
considerando o impacto que a mesma provocou na sociedade tão logo foi tornada pública.
O silêncio que se seguiu ao facto, deixou a opinião pública pasmada, pondo em dúvida a idoneidade e transparência das instituições de
Justiça em Angola, já de si bastante manchadas por serem apontadas como estando “amarradas” ao poder político e depender de
“ordens superiores”.
Se não é verdade que a Justiça portuguesa terá enviado a tal lista de sete mil páginas porque foi anunciado que sim?
A PGR negou o facto, mas não esclareceu a opinião pública se cobrou ou não explicações à Justiça portuguesa.
O que se tem escondido? Eis a questão, que levanta muitas outras, como a do secretismo à volta de determinados processos no âmbito
do combate à corrupção e crimes conexos.
Um dos casos que foi dos mais visados é o do antigo presidente do Conselho de Administração da empresa de Transportes Colectivos
Urbanos de Luanda (TCUL), Abel António Cosme, que depois de um conturbado “processo de extradição de Portugal para Angola”,
entre diversas peripécias para ludibriar a justiça angolana e a opinião pública, acabou por ser extraditado, mas ao chegar ao país, em
vez de ser julgado pelos seus crimes, com agravante por ter fugido e jogado mais lama na imagem de Angola e das suas instituições,
acabou por ser libertado por, supostamente, ter devolvido valores monetários ao Estado.
Fugitivos e processos que não atam nem desatam
Vários são os casos de ex-dirigentes que se aproveitaram dos cargos que exerciam para desgraçar o país e depois, mesmo sob alçada
da justiça, acabaram por fugir do país e nunca mais se disse nada sobre os seus processos.
Dois desses casos, que têm sido igualmente muito referenciados, são os que envolvem Ismael Diogo da Silva, antigo diplomata e ex-presidente da Fundação Eduardo dos Santos (FESA) e Joaquim Sebastião, antigo director do Instituto Nacional de Estradas de Angola
(INEA).
Há algum tempo, revelou-se que a PGR estaria a ponderar novos nomes que poderiam ser chamados para Julgamento.
O Procurador-geral Hélder Pitta Grós revelou na altura que, dos mais de 1.500 processos a decorrerem os seus trâmites na
Procuradoria-Geral da República (PGR), estava a ser dada prioridade aos de Aldina da Lomba e Higino Carneiro, a par dos de Hélder
Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino do Nascimento “Dino”.
Como já se sabe, Higino Carneiro acaba agora de ser ilibado dos crimes de foi acusado e o processo foi arquivado pelo Tribunal
Supremo.
Porém, desde que o Procurador-geral fez o anúncio publicamente, referindo-se à conclusão dos tais processos-crime para que os
arguidos fossem presentes ao tribunal, nada mais se disse, parecendo que todos ficaram num impasse, sendo mais uma situação que
também motivou especulações sobre um possível “engavetamento” dos mesmos.
O julgamento de Manuel Rabelais foi concluído com a sua condenação a 14 anos de cadeia.
Pelo que tudo leva a crer, em meio à manobras e interferências esquisitas, a condenação poderá ficar apenas no papel ou ser mesmo
anulada, considerando que o recurso “não ata nem desata” e o “mwadié” vai curtindo uma boa em liberdade.
Há ainda o caso de Manuel Vicente que permanece num “labirinto” obscuro, apesar de, a cada dia, novas acusações se somarem às
muitas anteriores.
Enquanto isso, vários outros delapidadores do erário público que se aproveitaram dos cargos que exerciam para desgraçar o país, e que
devem, igualmente, prestar contas à justiça, continuam impunes, com boa parte deles “camuflados” em deputados na Assembleia
Nacional, mais precisamente na bancada parlamentar do MPLA, partido maioritário, beneficiando das “santas” imunidades, ou
devidamente protegidos pela Presidência da República.
Todos eles, apesar de acusados de peculato, nepotismo, tráfico de influência, associação criminosa, branqueamento de capitais e muito
mais, têm merecido de “benevolência”, mesmo em face da gravidade dos seus crimes de lesa-pátria e que se consubstanciam como
crimes de alta traição contra o país.
Tal situação tem criado no meio social angolano algumas convulsões e os cidadãos, bastante agastados, também pelos apertos em que
estão a viver, em grande medida por culpa de dirigentes vigaristas que desgraçaram (continuam a desgraçar) o país roubando as
riquezas nacionais em proveito próprio, exigem que as autoridades, no domínio do tão propalado combate à corrupção, apliquem de
facto a justiça.
Fonte: Na mira do Crime