Terminou ontem a audição a António Manuel Paulo. Segundo o seu defensor, o ex-director do Conselho Nacional de Carregadores, se não obedecesse a princípios éticos e morais, ter-se-ia apoderado do dinheiro que quisesse, de tão desorganizado que era o CNC
Em guisa de conclusão, a nota a reter do último dia de audição ao ex-director do Conselho Nacional de Carregadores é que aquele instituto adstrito ao Ministério dos Transportes era um autêntico “bebedouro” de dinheiros públicos em benefício das diferentes equipas que foram passando pela sua liderança.
Na perspectiva da equipa que defende António Paulo, o gestor, quando enviado por Augusto Tomás, foi com a pespectiva de “colocar alguma ordem no CNC”, onde reinava a desordem perpetrada pela então liderança e funcionários que se serviam dos dinheiros em benefício pessoal, em vez de os encaminhar para o verdadeiro dono através da Conta Única do Tesouro.
Perante esta alusão, o juiz presidente do caso, Joel Leonardo, questionou o advogado, solicitando que “explicasse melhor” o que pretendia dizer, ao que este atendeu.
Segundo o causídico, António Paulo foi travado apenas pelos “seus próprios princípios”, porque o Conselho Nacional de Carregadores, à sua chegada, era uma instituição “completamente desorganizada”, e o director-geral, nas vestes e funções que eram seu apanágio, se quisesse, poderia ter-se apossado dos “dinheiros” a seu bel-prazer. “Vossa excelência está a querer dizer que no CNC tirar era a regra e não tirar a excepção?”, questionou o juiz presidente da causa, Joel Leonardo, que recebeu uma espécie de resposta “tipo nada”, tácita, pois o questionado reiterou a “desorganização” que reinava.
Nesta perspectiva, apresentase então uma instituição, que, apesar de arrecadar em média 38 milhões de Dólares/ano, era completamente vulnerável e onde se praticavam actos como “passar cheques em branco, pagamentos indevidos, viagens e bolsas de estudos fora do escopo da instituição” e uma contabilidade desorganizada e que não cumpria o mínimo de requisitos exigíveis na gestão da coisa pública.
Sintetizando, Augusto Tomás e defesa tentaram deixar claro que o antigo ministro não podia e nem devia interferir na vida diária do CNC. A antiga directora adjunta para a Administração e Finanças, Isabel Bragança, deixou transparecer que apenas “cumpria ordens” e que a sua opinião não era tida e nem achada, enquanto agora, António Paulo (antigo director geral) deixa a entender que terá sido traído pelos seus mais directos colaboradores.
Só assim se entende que “tenham tomado a iniciativa de depositar dinheiros nas suas contas sem o seu conhecimento e consentimento” e que a sua condição de saúde, que o obrigou a repetidas ausências prolongadas para o estrangeiro e outras ainda em missão de serviço, foram factores que contribuíram imenso para chegar ao estágio a que se chegou na sua efémera passagem pela gestão do CNC. Concluídos 3 dos quatro depoimentos dos co-réus, a expectativa passou a ser em torno do que mais poderão acrescentar Rui Moita, que ontem só teve tempo de responder a questões sobre sua identidade, e Eurico Alexandre Pereira da Silva, ex-director adjunto para a Administração e Finanças.
Um imbróglio chamado “caso CNC”
O caso CNC começou a ser julgado pelo Tribunal Supremo a 31 de Maio do ano corrente, envolvendo o antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás, que é acusado de seis crimes, nomeadamente um de peculato na forma continuada, outro de violação das normas de execução do plano e orçamento na forma continuada, abuso de poder na forma continuada, além de dois de participação económica em negócio.
O antigo ministro é ainda acusado de branqueamento de capitais. Augusto Tomás está detido no Hospital Prisão de São Paulo desde o dia 21 de Setembro de 2018, depois do interrogatório na Procuradoria Geral da República.
No mesmo processo-crime, com o nº02/19, estão Isabel Cristina Gustavo Ferreira de Ceita Bragança e Rui Manuel Moita, ex-directores-gerais adjuntos para as Finanças e para a Área Técnica do Conselho Nacional de Carregadores (CNC), respectivamente. São igualmente arguidos Manuel António Paulo, então director- geral, e Eurico Alexandre Pereira da Silva, ex-director adjunto para a Administração e Finanças. Depois dos réus, espera-se por uma “procissão” de depoimentos de testemunhas e declarantes, até agora cerca de meia centena, a não ser que o tribunal decida prescindir de alguns deles.